E se pudéssemos produzir betão a partir dos nossos resíduos?
Sim, é possível. Valorizar é a palavra de ordem. Confuso? Nós explicamos.
Todos os dias descartamos restos de comida, embalagens, objetos partidos, roupas. Aos ecopontos vão parar as embalagens de papel e cartão, plástico, aço, alumínio e vidro. Parte desse material é reciclado, mas outra parte, pode acabar incinerada. O que sobra desse processo são cinzas, um resíduo com um grande potencial.
Um grupo de investigadores do Instituto Politécnico de Bragança, em parceria com a Resíduos do Nordeste e a Universidade Rey Juan Carlos, decidiu olhar para essas cinzas de forma diferente. E descobriu que nelas estava escondido um enorme potencial: a produção de geopolímeros, um material capaz de substituir o cimento na produção de betão.
Mas, afinal, o que são geopolímeros?
São materiais produzidos em laboratório a partir de matérias ricas em silício e alumínio. Funcionam como um “ligante”, exatamente como o cimento: ao juntarmos areia, pedra e água, conseguimos obter betão. A diferença está na sua origem. Enquanto o cimento tradicional resulta da queima de rochas calcárias a altas temperaturas — um processo altamente poluente e responsável por emissões de CO₂ em grande quantidade —, os geopolímeros podem ser criados a partir de resíduos já existentes, basta que para isso sejam ricos em silício e alumínio. Estamos, assim, a transformar resíduos em recursos valiosos.

A ideia nasceu de um desafio lançado por uma produtora de vinhos que procurava dar uma nova utilidade a resíduos da sua atividade. Essa experiência despertou a curiosidade da equipa de investigação: que outros resíduos ricos em silício e alumínio podiam gerar geopolímeros? Porque não testar também as cinzas da incineração dos resíduos urbanos? Este foi o ponto de partida e o resultado é surpreendente.
Além do potencial da sua aplicação na construção civil, os geopolímeros têm revelado outras utilizações promissoras, como a substituição de membranas cerâmicas utilizadas no tratamento de águas. A versatilidade é enorme e os benefícios ambientais são claros: menos resíduos em aterros, menos extração de recursos naturais e menos emissões de gases com efeito de estufa. É a conclusão da análise ao ciclo de vida da produção do geopolímero a partir de resíduos urbanos feita pela equipa de investigação.


Do ponto de vista económico, esta inovação também apresenta vantagens, desde logo a criação de emprego, pois dará origem a uma nova cadeia económica. Afinal, o que antes era enterrado passa agora a ser reaproveitado, prolongando o ciclo de vida dos materiais e reduzindo custos associados à gestão de resíduos.
O projeto encontra-se numa fase decisiva: escalar este processo e operacionalizá-lo no terreno. Isso significa levar a tecnologia para fora do laboratório e aplicá-la em larga escala, para que construtoras e restantes indústrias possam utilizá-la – uma fase para a qual a parceria com a Universidade Rey Ruan Carlos, experiente nesta matéria, tem sido decisiva.
Se a transição acontecer, o impacto será transformador. As cidades poderão crescer com edifícios e infraestruturas construídos a partir dos resíduos que hoje descartamos. Talvez o futuro da construção esteja também na utilização dos nossos resíduos urbanos, e, por isso, valorizar é a palavra de ordem.
Projeto apoiado e cofinanciado pela Sociedade Ponto Verde no âmbito do seu Programa de I&D
