O “lixo” que interessa à NASA: quando o plástico se transforma em nanotubos de carbono

Sabia que as embalagens de plástico podem ser transformadas num material valioso, usado até no Espaço?

Imagine um material que parece saído de um filme de ficção científica: os nanotubos de carbono. Invisíveis a olho nu, estes minúsculos heróis são capazes de feitos inalcançáveis. Incrivelmente resistentes a químicos e ao calor, a sua verdadeira magia reside em propriedades únicas que permitem a sua aplicação em situações em que o desempenho é tudo. Podem substituir o cobre na condução de eletricidade e já são usados no reforço de materiais, e até na filtragem de água. A NASA aplica-os nas estruturas externas de alguns foguetões para aumentar a resistência mecânica da aeronave e para a proteger das temperaturas extremas no Espaço.

São assim tão especiais?

Considerados por muitos como uma das grandes inovações na ciência de materiais, os nanotubos de carbono são estruturas minúsculas, mas mais fortes que o aço e incrivelmente leves. Apresentam propriedades únicas que os tornam superiores aos materiais convencionais – a combinação de leveza e resistência permite que reforcem plásticos e metais sem que o aumento de peso seja significativo, o que abre portas para aplicações de ponta em diversas áreas, prontas para revolucionar a tecnologia, entre elas:
– Reforço de materiais (estruturas mais leves e resistentes);
– Catálise (tratamento de águas e remoção de contaminantes como pesticidas e fármacos);
– Substituição do cobre (a capacidade de condução torna-os adequados para utilização em circuitos e sistemas elétricos).

Estes nanotubos podem ser produzidos a partir de qualquer material rico em carbono. Entre as matérias-primas mais comuns estão gases como o metano e outros derivados do petróleo. No entanto, um projeto português traz-nos uma abordagem inovadora: a transformação de resíduos plásticos neste super material.

Ao invés de se limitar a utilizar o plástico recolhido nos ecopontos para produzir materiais de valor comum, pela sua estrutura de polímero (uma longa cadeia de moléculas de carbono), o “Estudo técnico-económico para a valorização de resíduos de embalagens plásticas em nanotubos de carbono” apresenta o plástico das embalagens como uma excelente alternativa para criar nanotubos de carbono. Uma abordagem que não só valoriza o resíduo de forma significativa, como também o reintroduz na economia circular, como material de alta tecnologia.

De embalagens de plástico a nanotubos de carbono

Utilizando o plástico como matéria-prima, a investigação aposta num processo inovador, conhecido como pirólise e deposição química em fase de vapor (CVD):
– O ponto de partida é o resíduo plástico, que passa por um processo de aquecimento sem oxigénio (pirólise). Em vez de queimar, o plástico decompõe-se em fragmentos tão pequenos que formam um gás rico em carbono.
– De seguida, este gás é levado para a fase de CVD. O contacto com um catalisador metálico faz com que os átomos de carbono se reorganizem e formem os nanotubos.

O mais fascinante é que os dois processos podem ocorrer num único reator, com diferentes zonas de temperatura. O resultado? Um material de alto valor, a partir de um resíduo plástico descartado em fim de vida para reciclagem.

O futuro (re)começa no desperdício

Desenvolvido através de uma parceria entre o Instituto Politécnico de Bragança e a Resíduos do Nordeste, o “Estudo técnico-económico para a valorização de resíduos de embalagens plásticas em nanotubos de carbono” nasceu de uma oportunidade real: encontrar uma nova solução para os resíduos de embalagens de plástico presentes nos resíduos urbanos que são ainda depositadas no “lixo comum”, e que acabam atualmente em aterros.

Apoiado pela Sociedade Ponto Verde, o projeto mostra como a ciência pode encontrar soluções inovadoras para os problemas ambientais, transformando o que é visto como desperdício em recursos valiosos para o futuro.

“Acredito que a inovação está diretamente ligada à investigação. É fundamental ter interesse pela ciência, questionar os métodos existentes e procurar alternativas, pensando “fora da caixa”, explica a investigadora Fernanda Roman, co-responsável do estudo. “Queremos mostrar que é possível e economicamente viável transformar plásticos residuais em materiais de alta qualidade”, continua.

Concluída a investigação laboratorial, o projeto foca-se, agora, na sua avaliação económica e na definição dos próximos passos. Na visão da cientista, se a aplicação desta tecnologia avançar para uma escala industrial, o impacto será significativo, e em várias frentes. “Do ponto de vista ambiental, teremos menos plástico em aterros e nos oceanos, e a nossa dependência do petróleo tenderá a diminuir: a substituição de derivados de petróleo como matéria-prima leva a um futuro mais sustentável”, clarifica, acrescentando que a nível económico, as empresas de resíduos podem vir a dispor de uma nova forma de rentabilização das embalagens recolhidas e que, no campo científico, a validação deste processo pode significar um importante passo para aplicações futuras.

Projeto apoiado e cofinanciado pela Sociedade Ponto Verde no âmbito do seu Programa de I&D